JABUTI, JABUTICABA E... JAIR
Brasil é um país único: medidas provisórias e propostas legislativas escondem jabutis, termo atribuído ao ex-presidente da Câmara dos Deputados Ulysses Guimarães, que dizia que “jabuti não sobe em árvore. Se está lá ou foi enchente, ou foi mão de gente". O jabuti não tem nada a ver com a proposta legislativa original. Um exemplo recente é a MP da Eletrobrás – o texto original proposto foi tão alterado no Senado, que teve que ser novamente apreciado na Câmara dos Deputados. Jabuticaba se refere, além da deliciosa fruta, a algo que só se acha aqui (como a tomada de 3 pinos). O chamado “distritão”, por exemplo, seria uma jabuticaba – um modelo que praticamente só existiria no Brasil. Tanto o jabuti quanto a jabuticaba podem afetar o dia a dia da população brasileira, quase sempre de maneira negativa – aumentando tarifas, digamos. No caso do jabuti do distritão, para ficar no caso mencionado acima, o Sistema eleitoral poderia ter sido alterado significativamente, favorecendo certos candidatos em detrimento de outros. Não foi aprovado, então dessa jabuticaba estamos livres, mas ainda nos resta a tomada de três pinos. O que Jair Messias Bolsonaro fala também afeta o dia a dia da população brasileira. Jair é um nome que tem origem no hebraico bíblico que significa “ele ilumina”. Messias, mesma origem, significa “o ungido”. Bolsonaro tem origem desconhecida. Jair Messias Bolsonaro tem tentado incorporar os significados dos dois primeiros nomes à sua maneira de falar. Sua retórica é sempre em termos absolutos, não admitindo contestação. Só que Bolsonaro é o presidente do Brasil – venceu Fernando Haddad no segundo turno das eleições em 2018 e tomou posse em 2019. E tudo o que o presidente de um país fala tem consequências, muitas vezes as que ele esperava, outras tantas as que não esperava. Jair Bolsonaro fala o que quer e, como dizia minha mãe, ouve o que não quer - STF, médicos, governadores, prefeitos, até membros de partidos aliados o contradizem. Vejam o caso do voto impresso, por exemplo. Mas as consequências vão além da política. O “Custo Bolsonaro” é alto – o clima de constante antagonismo alimentado por ele reflete nos investimentos estrangeiros diretos no Brasil. Quem escolhe um país cheio de incertezas, com promessas de golpe e contragolpe para colocar seu dinheiro? Que empresa multinacional, como a Mercedes Benz, escolhe investir em um país cujo futuro político e econômico é incerto? A bolsa cai e o dólar sobe cada vez que Bolsonaro faz alguma de suas declarações bombásticas. Politicamente, Bolsonaro nunca esteve tão fraco – sua popularidade tem caído nas pesquisas e todas as projeções para as eleições de 2022 são de que perderá para Luiz Inácio Lula da Silva. Na verdade, um precisa do outro para alimentar sua retórica, mas quem mais ganha com a retórica autoritária e inflexível de Bolsonaro é Lula. Bolsonaro se vê obrigado a alimentar um grupo de seguidores fiéis, porque os de ocasião já abandonaram o barco. Os fiéis extremistas se alimentam das falas radicais de Bolsonaro e de suas ações “corajosas”, como submeter ao Senado um pedido de impeachment de Alexandre de Moraes, ministro do Supremo Tribunal Federal e futuro presidente do Superior Tribunal Eleitoral (justamente no pleito de 2022). Promete para os próximos dias igual pedido contra Luís Roberto Barroso, ministro do STF e atual presidente do TSE. Nenhum dos pedidos tem chances de prosperar, portanto não surpreenderia se Bolsonaro nem submeter o pedido de impeachment de Barroso (hoje diz-se que desistiu, mas quem sabe ao certo?). Bolsonaro precisa do clima de insegurança gerado na população para se manter popular. É um mestre em se manter em evidência na mídia que ele tanto despreza – todos os dias as manchetes dos grandes jornais se referem a ele. É a máxima do “falem mal, mas falem de mim.” Então, que sigam falando mal. Ele tem outras maneiras de se comunicar com seu público – cercadinho no Alvorada e nas lives do Facebook. E o que é falado lá é assunto na mídia. Enquanto isso, Lula viaja e faz “reuniões” com desenvoltura (a campanha ainda não está permitida).
Nos aproximamos da comemoração do Dia da Independência do Brasil, 7 de setembro. Não haverá desfile em Brasília por causa da pandemia, mas os fiéis de Bolsonaro prometem manifestações em muitas capitais. O presidente discursará para um grupo em Brasília pela manhã e para outro grupo, em São Paulo, à tarde. Os seus seguidores prometem manifestações em favor da tomada de poder pelos militares, mas com Bolsonaro à frente e outras coisas mais, e o presidente não desmente ou tenta moderar o discurso – ele se cala, portanto consente. Mais uma incerteza no ar. O clima é tal que os governos estrangeiros abertamente monitoram a tensão entre os poderes no Brasil, especialmente entre o executivo e o judiciário, com manifestações claras do Senado Federal em favor da manutenção do sistema democrático e manifestações muito mais tímidas da Câmara dos Deputados sobre o mesmo assunto. Hoje vemos Bolsonaro contra tudo. A pandemia ameaça recrudescer e ele cogita tornar a máscara facultativa (como, se ele nem a tornou obrigatória e foi contra o seu uso desde o primeiro dia?). Cogita aumentar o Bolsa Família e outros benefícios à população (como, se vemos um país com inflação em alta, PIB em baixa, juros em alta, confiança do mercado em baixa e desemprego em alta?). Ameaça ministros de outro poder com impeachment só porque não gosta deles (já os xingou em público, e não concorda com suas decisões, mas não usa os meios à sua disposição para recorrer contra elas), sem se dar conta que o Executivo, o poder que ele representa, é só um dos 3 poderes. Tudo retórica, tudo evitável.
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