AS VIAGENS DO PRESIDENTE BOLSONARO
Desde sua posse em 1 de janeiro de 2019, o Presidente Bolsonaro viajou quatro vezes ao exterior – à Suíça, aos EUA, ao Chile e agora a Israel.
Sua estreia no Fórum Econômico Mundial em Davos foi aguardada com ansiedade pelos participantes – Bolsonaro abriu a reunião. Todos esperavam ouvir do Presidente recém-empossado, durante os 30 minutos reservados para sua apresentação, as diretrizes reais de seu governo. O discurso do candidato já era conhecido, agora queriam ouvir o Presidente. Bolsonaro leu um discurso de 6 minutos, que falhou em detalhar suas diretrizes concretas para a área econômica e de meio-ambiente, as áreas que despertavam mais interesse na audiência. Com as perguntas e respostas, a sessão durou 16 minutos. Os participantes e a Bolsa de Valores em São Paulo interpretaram a participação do Presidente como uma oportunidade perdida para atrair mais investimentos no país e também oferecer aos presentes garantias de ambiente comercial seguro e sem surpresas, tanto assim que a BOVESPA caiu mais de 1.000 pontos nas horas seguintes ao discurso. O Presidente prometeu que “a questão ideológica deixará de existir”, sem especificar a que ideologia se referia. “A questão ideológica” faz pouco ou nenhum sentido em um ambiente cujo foco é o comércio e o desenvolvimento econômico. A avaliação geral é que a participação do Presidente Bolsonaro decepcionou – o Presidente não teve nenhuma reunião paralela, onde os negócios e acordos realmente acontecem, mas preferiu sair com seu filho Eduardo (o 03) para passear e almoçar na bandejão de um supermercado. A sensação foi que Bolsonaro queimara a largada.
A viagem mais antecipada, no entanto, e para a qual o Presidente mais se preparou, foi para os Estados Unidos para se encontrar com o Presidente Donald Trump. Esta sim, considerada a visita mais importante, pois significava dar concretude a uma promessa de campanha de estreitar relações com o EUA, que o Chanceler Ernesto Araújo retificou, com ênfase, em seu discurso de posse. Bolsonaro nunca escondeu sua admiração por Trump, e chegou enfim a hora de externar essa admiração em pessoa. A viagem foi de três dias, considerada longa para uma viagem de chefe de estado. Foi uma viagem cheia de simbolismos – explícitos ou não, e cercada de polêmicas.
Dias antes da viagem do Presidente, o escritor Olavo de Carvalho escreveu em seu Twitter palavras ofensivas ao Vice-Presidente Hamilton Mourão. É nítida a falta de afinidade entre o Presidente e o Vice, mas os cargos que ocupam devem estar acima de desavenças pessoais, então deveria ter demonstrado sua desaprovação ao tratamento dispensado ao Vice ao menos publicamente. Ao invés disso, Bolsonaro, seu filho Eduardo, o Ministro Ernesto Araújo e Filipe Martins, assessor internacional do Presidente homenagearam Carvalho em jantar na residência da Embaixada do Brasil em Washington, onde este se sentou à direita do Presidente e recebeu dele elogios efusivos. Os outros convidados eram representantes da direita conservadora americana, como Steve Bannon – outro herói dos Bolsonaros. Tradicionalmente os jantares oferecidos por embaixadas são para estreitar laços comerciais e políticos, ou seja, esclarecer pontos de contenda em um ambiente mais descontraído. Normalmente os convidados são empresários com interesses no país, políticos que podem votar matérias favoráveis aos interesses do Brasil, funcionários do Departamento de Estado que tratam de Brasil e outros altos funcionários do governo do país visitado. Normalmente é isso que um chefe de estado faz, por orientação de sua representação diplomática e do Ministro de Relações Exteriores – usa o seu prestígio para atrair aqueles que trarão benefício para o país, e não reforço para sua agenda pessoal. O Embaixador Sérgio Amaral, experiente e hábil diplomata, que já sabe que será trocado em breve, não teve nenhum protagonismo nessa visita. O Presidente Bolsonaro e o Ministro Araújo estão inaugurando a nova era da diplomacia, claramente demonstrada na escolha dos participantes – todos representantes da direita conservadora dos EUA sem poder político efetivo no país.
O encontro com o Presidente Trump, que deveria ser somente entre os dois presidentes e seus intérpretes, foi acompanhado pelo Deputado Federal por São Paulo, o filho 03 do Presidente, Eduardo Bolsonaro e não pelo Ministro Ernesto Araújo – o que gerou uma saia justa enorme com o Chanceler. Durante a reunião, ficou acertado que o Brasil isentaria de tarifas de importação 700 mil toneladas de trigo americano por ano. Também importará carne suína, mas ainda não conseguiu que os EUA importem carne bovina in natura do Brasil. Acordou-se, além disso, que os EUA apoiariam o pleito do Brasil de ser um país-membro da OCDE se o Brasil abrisse mão de tratamento preferencial na OMC, ao que o Presidente prometeu aquiesceu. O único acordo assinado que deve trazer benefícios reais para o Brasil é o acordo de lançamento de foguetes em Alcântara, no Maranhão. Os Estados Unidos não deram muita importância à visita do Presidente do Brasil ao país. Trump foi protocolar, e não fez mais nenhuma menção sobre o Brasil, nem mesmo em seu movimentado Twitter. Até o Secretário de Estado, interlocutor natural de Ernesto Araújo, não estava no país. Os jornais também não deram atenção alguma, a não ser chamarem a atenção para alguns pontos controversos, como milícias no Rio e outros. A proximidade de Jair e Eduardo Bolsonaro com Steve Bannon também não caiu bem na Casa Branca. Ainda é cedo para julgar se essa visita trará a sonhada aproximação com os Estados Unidos.
Depois de um dia de descanso no Brasil, Bolsonaro foi ao Chile para uma Cúpula de países sul-americanos convocada pelo Presidente Piñera para propor uma alternativa à UNASUL. Bolsonaro atendeu ao convite, novamente acompanhado de seus conselheiros internacionais, Eduardo Bolsonaro e o Ministro Araújo, além de outros Ministros. O saldo da visita não foi positivo – Onyx Lorenzoni, chefe da Casa Civil, e o próprio presidente elogiaram o General Pinochet por suas reformas e Eduardo Bolsonaro disse que dificilmente Maduro cairia sem intervenção militar na Venezuela. O Presidente Piñera desautorizou o presidente Bolsonaro por suas declarações (pelas quais Bolsonaro nunca se justificou) e, diante da repercussão negativa de sua declaração, Eduardo foi forçado a dizer, que essa era a posição do Presidente Trump, se conferindo o papel de porta-voz de um líder estrangeiro. O ruído causado pelas declarações intempestivas apagou qualquer eventual saldo positivo da visita. Problemas com declarações politicamente insensíveis também aconteceram com o Paraguai, quando em Itaipú Bolsonaro elogiou o General Stroessner, um ditador odiado pelo povo daquele país. Sua admiração por ditadores militares é explícita e traz embaraços para o Brasil com potenciais prejuízos internacionais. Sua recente ordem para se comemorar o Golpe de 1964 pode causar problemas para o Brasil ingressar na OCDE, por exemplo.
Hoje está em Israel e já anunciou a abertura de um escritório comercial em Jerusalém. A postura do Brasil sempre foi de encontrar um ponto de diálogo com todos os países com os quais mantém relações diplomáticas e comerciais, independente do regime e de conflitos internos, como por exemplo com Israel e a Palestina (que nem um país reconhecido é), Iran, Iraque, EUA... e a lista é longa. Um escritório comercial, ou seja lá que nome que se queira dar, é uma representação oficial do país com status de presença diplomática. O Brasil ganha muito pouco, e pode perder muito. Em primeiro lugar, dá força e prestígio a um primeiro ministro às vésperas de uma eleição e que enfrenta problemas sérios de corrupção. Verdade que Netanyahu não conseguiu que o Brasil anunciasse a abertura da Embaixada em Jerusalém, que usaria como trunfo nas eleições. Também é certo que Netanyahu veio para a posse de Bolsonaro, e que este gostaria de retribuir a gentileza. Diplomaticamente a época da viagem não é acertada – seria mais prudente esperar as eleições para não oferecer apoio pessoal ao Primeiro Ministro. Sem dúvidas há vantagens para o Brasil em estreitar relações com Israel, mas o timing não é o ideal.
A abertura do escritório comercial causa mal-estar com importante grupo de países compradores de nossas proteínas animais no Oriente-Médio e as consequências podem ser desastrosas para o país. Se houver uma retração nas importações de carne e frango halal do Brasil, os Estados Unidos e outros países estão mais do que prontos a preencher o vácuo deixado e o Brasil terá que negociar muito fortemente para recuperar essa parcela importante da importante pauta de exportações do país.
A política externa baseada em entusiasmo pessoal normalmente é prejudicial – o fato de Bolsonaro admirar Trump pode significar problemas para o Brasil caso Trump não seja reeleito em 2020. Também sua proximidade com Netanyahu pode significar um problema caso ele não seja reconduzido ao cargo. O Brasil não será visto como amigo dos EUA ou de Israel, mas amigo de Trump e de Bibi e terá que se empenhar para construir laços com as futuras administrações destes países. A diplomacia clássica é a execução de uma política de estado e não pessoal. É óbvio que a afinidade pessoal entre presidentes ajuda, mas não é essencial.
Bolsonaro e Araújo (com forte atuação de Felipe Martins e Eduardo Bolsonaro) estão imprimindo uma nova dinâmica na relação entre países. Entretanto, essa dinâmica não está clara para os brasileiros e nem no cenário internacional. Resta saber para onde essa nova postura nos levará. Devemos observar com atenção a próxima viagem que será à China.