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  • Luís Henrique Pedroso

A DIPLOMACIA, A PÓLVORA E O APAGÃO

A literatura está repleta de teorias, conceitos e menções à relação entre a diplomacia e a defesa. A história está repleta de exemplos dessa relação. Diplomacia e defesa sustentam um ao outro como instrumentos das políticas nacional e externa de um Estado. A premissa clássica nas relações internacionais aponta para uma lógica de comportamento na qual a defesa dos interesses nacionais se dá, em grande parte, em consequência das capacidades militares e das ações diplomáticas de cada ator. É aquela velha ideia de que diplomacia e defesa fazem parte do mesmo lado da moeda. Trata-se de uma relação complementar, tanto que alguns teóricos afirmam que a diplomacia é a arte de convencer sem usar a força (Raymond Aron, por exemplo), outros remetem paulatinamente à histórica passagem de Clausewitz sobre a guerra ser a continuação da política por outros meios. Até aqui, nada novo. Só que o ano é 2020 e em 2020 as novidades aparecem a todo momento e transvestidas das mais diferentes formas. Então, ganhamos mais uma célebre menção ao intrínseco relacionamento entre diplomacia e defesa, ou, melhor, ganhamos mais uma piada.

Ontem, 10 de novembro de 2020, o Presidente Jair Bolsonaro, comunicou ao recém-eleito Presidente dos EUA Joe Biden que se diplomacia falhar, o Brasil está (ou estará?) devidamente preparado para defender seus interesses por outros meios. Suas palavras foram:

“O Brasil é um país riquíssimo. Assistimos há pouco um grande candidato à chefia de Estado dizer que se eu não apagar o fogo da Amazônia, ele levanta barreiras comerciais contra o Brasil. E como é que nós podemos fazer frente a tudo isso? Apenas a diplomacia não dá, né, Ernesto [Araújo, chanceler]. Porque quando acabar a saliva, tem que ter pólvora, se não, não funciona. Precisa nem usar a pólvora, mas precisa saber que tem”

A tradução mais simplista é algo como a Amazônia é nossa, vai complicar o comércio, aqui não tem maricas, resolvemos isso daí na porrada, tá okay? A tradução mais cômica é não te mete no que não é teu, vem na xinxa que aqui é Brasil, Seeelva! Se a saliva acabar, temos pólvora. Podemos não usar, mas temos. Ainda estou buscando entender se o Presidente Jair Bolsonaro acredita veementemente que o Brasil pode fazer frente aos EUA na eventualidade da continuidade da política por outros meios, se o Presidente quiser demasiadamente irônico ou se foi apenas mais uma passagem de um livre pensador desatento à liturgia do cargo, aos dados empíricos e até mesmo aos filmes de Hollywood. Explico, basta assistir qualquer filme de guerra desde 1930 até o trailer de Top Gun 2 para imaginar a diferença do poderio bélico – da pólvora, como diz Bolsonaro – dos EUA e da nossa. Basta ler os quadro-resumos do Stockholm International Peace Research Institute (SIPRI), maior e mais confiável instituição de pesquisas científicas sobre segurança global. Basta lembrar que quando fala, Bolsonaro fala em nome de uma nação, fala como representante do Brasil e dos brasileiros.


Bolsonaro é assertivo quanto nexo diplomacia e defesa, são campos complementares. Falha, no entanto, em considerar um aspecto histórico e estrutural no caso brasileiro: a articulação entre diplomacia e defesa no país é fraquíssima, quase inexistente. Enquanto a diplomacia brasileira se construiu e se consolidou ao longo do último século baseada em pilares do multilateralismo, da cooperação e do diálogo, alcançando exitosas vitórias em disputas territoriais, comerciais e até mesmo geopolíticas, a defesa se preocupou preponderantemente com questões internas. Enquanto a diplomacia atingia níveis de excelência internacionalmente, a defesa assumiu papel tutelar sobre questões domésticas. Embora nos anos recentes a lógica esteja sendo invertida, com uma diplomacia cada vez mais pífia e uma defesa pífia recebendo mais atenção, estamos anos luz atrás dos EUA.

Ao mesmo tempo que o Presidente brasileiro fala sobre a importância dos EUA lembrarem de nosso poderio bélico, o Amapá vive um apagão que dura dias. Uma nação pronta para defender seus interesses e que nem energia elétrica consegue distribuir, parece piada pronta, e é. Apagão similar vive a diplomacia brasileira de Ernesto Araújo, que segue sem reconhecer a vitória de Joe Biden nos EUA, segue sem amenizar as consequências negativas das precárias políticas públicas de combate ao desmatamento e queimadas na Amazônia e Pantanal e segue marginal nos grandes debates internacionais. O Presidente insiste em pautar as discussões da política nacional, tirando o foco das denúncias contra sua família e deixa uma mensagem muito clara para Biden, fica frio aí, my friend. Mas, assim como Garrincha uma vez perguntou: Sr. Presidente, o Sr. já combinou isso com os russos? Ou chineses? Que maluquice, não?





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