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  • Vera Galante

A BANALIZAÇÃO DO IMPEACHMENT


Desde a redemocratização do Brasil, dois presidentes sofreram impeachment: Fernando Collor de Mello e Dilma Roussef. Fernando Collor por causa de um escândalo de corrupção envolvendo um Fiat Elba e Dilma Roussef por pedaladas fiscais. O fantasma do impeachment ronda Bolsonaro desde a sua eleição – rumores, por vezes, alimentados por ele mesmo.

Nos Estados Unidos foram abertos processos de impeachment contra vários presidentes durante seus mandatos – os processos foram julgados improcedentes ou não foram sequer a julgamento. O único que talvez teria sofrido impedimento foi Richard Nixon, por conta do escândalo de Watergate mas, com sua renúncia, nada aconteceu.

Isso até Donald Trump que já está no seu segundo impeachment. Em 2019 o impeachment de Trump foi aprovado pela câmara baixa (House of Representatives), mas foi absolvido pelo Senado em fevereiro de 2020. Pouco menos de um ano depois, Trump novamente sofreu impeachment na câmara baixa e o julgamento está em curso no Senado Federal. A primeira questão foi julgar se o impeachment de um ex presidente seria constitucional, apesar de ele ter sido aprovado na Câmara durante o mandato de Trump (no apagar das luzes, é verdade, mas ele ainda era presidente). O Senado já decidiu que sim, é constitucional, e continua com o processo de impeachment.

Um processo de impeachment, apesar de ter ritos e procedimentos bem estabelecidos, não é um procedimento jurídico, e sim político. Até o fato de a sessão que julga o impeachment no Senado ser dirigida por um Ministro do Supremo Tribunal Federal (no Brasil é regimental, nos EUA é opcional) levam a pensar em um rito jurídico. Mas não é. Os fatos contam menos, muito menos, do que a popularidade do presidente.

No caso de Bolsonaro, Rodrigo Maia não levou nenhum dos pedidos de impeachment à consideração da Câmara dos Deputados simplesmente porque não havia a possibilidade de os pedidos serem acolhidos. A popularidade do presidente estava (e está) alta – entende-se por alta acima de 10% (esse é o patamar abaixo do qual o risco de impeachment passa a ser real – obrigada, Rogério Schmitt!) e havia deputados favoráveis ao presidente em número suficiente para não dar seguimento ao processo. Evitou-se o desgaste. Os mandatos dos deputados federais é de quatro anos e coincidem com o mandato presidencial. Isso quer dizer que o presidente da vez conta com aquele congresso que foi eleito junto com ele (100% dos deputados federais e 1/3 ou 2/3 dos senadores, conforme o ano) durante todo o seu mandato, com pouquíssimas alterações (morte, saída para algum ministério, possível renúncia...). Essa certeza dá ao presidente relativa segurança de que nada lhe acontecerá se souber cultivar e cativar um número razoável de deputados e senadores. Daí o termo “presidencialismo de coalizão”.

Nos EUA o mandato dos deputados é de 2 anos, portanto exatamente no meio do mandato do presidente a câmara baixa é renovada. Hoje Joe Biden conta com maioria apertada na câmara e maioria de 1 voto no senado. Muito pouco. Quase certamente esse cenário mudará daqui 2 anos, quando os reflexos dos acontecimentos nas eleições presidenciais de 2020 serão sentidos e deve se delinear uma maioria mais definida de um partido ou de outro.

Por não ter certeza da configuração do congresso durante todo o seu mandato, o presidente americano tem que buscar governar tendo em mente mudanças de cenários, portanto a busca de consenso é muito maior do que a busca de composições favoráveis momentâneas. Não podemos esquecer que são dois os partidos representados no congresso americano: o Republicano e o Democrata, embora os dois partidos abriguem muitas correntes e tendências.

O cenário no Brasil é muito mais complicado por conta de nosso sistema presidencialista quase híbrido. A composição do Ministério é política e não técnica, quando o presidente tenta satisfazer sua base aliada oferecendo cargos que satisfaçam os parlamentares que lhes dão sustentação. Essa é a descrição da “velha política” tão desdenhada pelo candidato Jair Bolsonaro. Os fatos, entretanto, se impuseram, e o presidente Bolsonaro teve que ceder às velhas práticas que ele conhece tão bem por conta de seus 28 anos como parlamentar. Pesou em sua mudança de atitude a sombra do impeachment que começou a ganhar corpo – Bolsonaro precisou de buscar apoio em partidos do chamado Centrão para evitar “problemas” com seu mandato.

Voltando ao tema original, o impeachment. Não quero aqui discutir de Trump deve ou não ser impedido (no caso perderia o direito de se candidatar a qualquer cargo eletivo) e se Rodrigo Maia deveria ou não ter pautado os mais de 70 pedidos de impeachment do Presidente Bolsonaro enquanto era presidente da Câmara dos Deputados. O foco é no instrumento do impedimento em si.

Embora seja um mecanismo importante, democrático e necessário, o impeachment não deve ser usado como recall de uma eleição, um “arrependimento posterior”, na nova linguagem jurídica. Não deveria ser assim. O mandato de um presidente no Brasil ou nos EUA é de 4 anos, com a possibilidade de reeleição. O julgamento da qualidade do/da presidente deve ser feito na eleição – não se deve reeleger um governante de baixa qualidade. Para isso é preciso de informação, muita informação.

Então uma alternativa seria uma reforma política que diminuísse drasticamente o número de partidos para que se buscasse um consenso duradouro e não composições pontuais para problemas específicos. Há tempos fala-se em adotar o voto distrital ou distrital misto, mas até agora não foi feito nenhum movimento significativo nesse sentido.

A outra solução é o parlamentarismo, um sistema extremamente diverso – cada país que o adota tem uma versão diferente. Já houve um referendo no Brasil sobre qual o regime a ser adotado e o presidencialismo foi o vencedor, portanto discutir as vantagens e desvantagens aqui é inútil.

O que o eleitor deve fazer é se informar para formar opinião e não buscar a informação que apoie sua opinião. Há muita informação de qualidade e relativamente isenta à disposição de quem procura. Só assim teremos uma democracia de qualidade onde o impeachment seja somente lembrado eventualmente em casos extremos e não tratado como um instrumento corriqueiro de retirada de um presidente do cargo.


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