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  • Luís Henrique Pedroso

UMA BELA SACUDIDA NO SISTEMA INTERNACIONAL



Os acontecimentos das últimas semanas chacoalharam o mundo como há muito tempo não víamos. O alerta tinha sido dado ainda em janeiro, mas nem a Organização Mundial da Saúde (OMS) e nem as grandes nações ocidentais levaram a sério. Assim, a bela sacudida das últimas semanas pesou, pesa e pesará muito para os povos e nações do globo. O coronavírus chegou “aqui” e o seu efeito destruidor ameaça muito mais do que a ordem econômica mundial ou a ordem social como a conhecemos, mas ameaça nossa própria existência. No mundo, o número de mortos já ultrapassa a dezena de milhar. Só que não sou infectologista, não sou virologista, não sou médico ou agente da saúde e, portanto, pouco ou nada eu poderia acrescentar aos informes e orientações divulgados pela OMS, pelo Ministério da Saúde, pela FIOCRUZ, governos estaduais e municipais.


Sou internacionalista (sim, isso é uma profissão), sou cientista político e carrego alguma experiência em áreas como a da segurança internacional, da cooperação internacional, da análise de riscos e da gestão de crises. Compartilho breves comentários e análises sobre o cenário e a conjuntura política, econômica e social no nível internacional e nacional. Pretendo fazer o mesmo para o local, aqui do Rio Grande do Sul, de onde escrevo. A melhor, talvez a única, forma de começar é afirmando: tudo o que pensávamos sobre 2020 pode ser apagado. Planos, perspectivas, prospecção de cenários, análises de risco, tudo pode e deve ser jogado fora, repensado, redefinido ou ajustado para uma nova realidade: a do COVID-19.


Uma bela sacudida no Sistema Internacional


Já nos primeiros dias de 2020 o Grupo Eurásia lançava um relatório e apontava sobre os riscos ao processo de globalização, ok, pois o jogo geopolítico europeu e os conflitos EUA x China levavam a esta percepção. Semana passada (19/3) o Eurásia atualizou esse risco afirmando que agora é ainda mais séria a desaceleração da globalização. Claro! Nacionalismos vão falar mais alto, pois é cada um priorizando os seus frente aos outros. Crescerão os discursos populistas estilo “MAGA – Make America Great Again”, crescerão as medidas protecionistas e possivelmente observaremos uma forte guinada aos princípios keynesianos. Isso é, em tempos de crises o Estado precisa colocar a mão no bolso e intervir. Ponto a ponto, breve e resumidamente: governos irão usar e abusar de discursos e medidas cujos focos principais estão na sua população, na sua economia e nos seus interesses, como já podemos observar nos EUA e na Alemanha. Os primeiros negociam – entre os três poderes – um pacote estimado em 2 trilhões de dólares destinado ao povo e empresas norte-americanas, segunda-feira (23) a Alemanha anunciou um pacote de resgate na casa dos 750 bilhões de euros com foco na população, pequenas, médias e grandes empresas alemãs.


A carruagem da nova realidade exacerbará nuanças de relações intrínsecas. Inevitavelmente o setor privado e o setor público atuarão mais próximos um do outro. Essa simbiose se intensifica em momentos de crise! Isso já pôde ser visto no discurso de Trump cercado por CEOs no dia 13 de março, quando declarou emergência nacional e apresentou medidas para o enfrentamento da crise. A atuação de grandes farmacêuticas ou os gigantes tech (Google, Microsoft, Facebook e similares) vão ganhando destaque no enfrentamento da crise de saúde pública, especialmente dada a característica da interconectividade global e a alta dependência de soluções tecnológicas. Seja para busca de tratamentos e vacinas eficazes contra o vírus, seja para questões de comunicação, informação e até mesmo segurança.


Na Coréia do Sul sistemas de GPS e aplicativos de smartphones auxiliam autoridades locais na tomada de decisões e medidas para controle e mitigação de riscos. Nos EUA, Bill Gates já empregou mais de 100 milhões de dólares para pesquisa e desenvolvimento de produtos e ações de detecção, isolamento e tratamento do covid-19. Na China, a Alibaba e outras empresas também investiram pesado em estudos e no desenvolvimento de algoritmos e soluções tecnológicas para contribuir com os esforços governamentais no enfrentamento da crise de saúde pública. O que isso nos diz? There is no free lunch, uma máxima válida em todos os tempos. O preço da proatividade vai ser cobrado em algum momento, e este momento pode ser agora. Quem está mais alto pega mais dinheiro quando este for lançado do helicóptero, em referência à teoria do Milton Friedman.


Prioridades mudaram, o clima e a Greta Thunberg foram esquecidos temporariamente porque a gravidade do hoje é, neste momento, muito mais importante e demanda muito mais esforços do que o aquecimento global e as gerações futuras. Os problemas no Oriente Médio, a crise de refugiados e as constantes violações aos direitos humanos observadas na Síria saíram do radar da grande imprensa e da lista de prioridades das principais potências. Saíram sim, mas nem tanto porque onde há petróleo há sempre olhos abertos. Com menos atenção, mais vácuo e com mais vácuo, maiores os riscos de novos líderes e/ou grupos radicais ganharem espaço. Enquanto isso passar a ser um problema para depois aos olhos dos líderes preocupados com coronavírus, Vladmir Putin pode avançar sua zona de influência. A observar.


Na América do Sul, novos e antigos dilemas. Se em 2019 eu escrevi sobre o conturbado período eleitoral, agora o foco é outro: como sobreviver aos desafios de saúde pública quando não possuímos instituições políticas e jurídicas fortes, não possuímos dinheiro e poucos olham por nós? Não será fácil, mas quem sabe sobra alguma coisa caindo do helicóptero? Assim como na Europa, o processo de integração sul-americano sofre e continuar a sofrer com a guinada nacionalista de enfrentamento da pandemia e quando essa for controlado, no início da retomada econômica. O papel do Estado está sendo posto à prova, o papel das lideranças regionais também. O futuro político do continente passa ser definido pelo sucesso na contenção do coronavírus e nas medidas econômicas e sociais implementadas para amenizar os efeitos nocivos da crise.


Quando o ano começou, se alguém me falasse que a organização internacional mais criticada em março seria o Comitê Olímpico Internacional (COI), a minha resposta só poderia ser uma: você é Russo, né? Pois então, pesam fortes críticas ao COI pela demora no posicionamento sobre o adiamento dos jogos em Tokyo, previstos inicialmente para julho deste ano. Isso posto, uma característica do sistema internacional contemporâneo está sobremaneira sendo observada: a cooperação internacional vai muito além de pomposas reuniões de líderes e discursos bem articulados, vazios ou raivosos nos palanques mundo afora. Um dos mais valiosos aspectos da cooperação internacional está na cadeia de pesquisadores, países, agências governamentais, não-governamentais, instituições públicas e privadas que realizam esforços homéricos em cadeias globais para conter a disseminação do vírus, achar tratamentos e curas para uma pandemia que aflige a todos. Essa construção não é feita do dia para a noite, ela exige tempo e recursos. Saibamos reconhecer.


Da histeria ao consenso, os caminhos brasileiros


O discurso de negacionismo ao surto de COVID-19 inicialmente sustentado pelo governo federal ecoou em todos os cantos do país e fez soar o alerta em alguns estados. Se de um lado os oposicionistas Flavio Dino (PC do B – Maranhão) e Camilo Santana – (PT – Ceará) logo saíram ao ataque, os até bem pouco tempo aliados João Dória (PSDB – São Paulo), Wilson Witzel (PSC – Rio de Janeiro) e Ibaneis Rocha (MDB – Distrito Federal) trataram de agir. Decretos fecharam escolas, proibiram eventos públicos, alteraram normas de vigilância sanitária, instituíram teletrabalho, enfim, tomaram para si a responsabilidade de seguir, mesmo que minimamente, as orientações e sugestões repassadas por organismos especializados internacionais. Até aí tudo bem, mas possivelmente um destes governadores ou um dos seus assessores leu Maquiavel. Os “príncipes” precisam ter o povo ao seu lado ou sucumbirão às adversidades. Agir apenas não basta, é preciso mostrar que agiu, mesmo que isso signifique evidenciar a inação do governo federal. E o Presidente já deu diversas demonstrações de que não aceita bem críticas e chamadas de atenção.


Se a narrativa importa, e em tempos de amplo acesso à comunicação importa ainda mais, o momento é de o Presidente Jair Bolsonaro deixar de lado uma característica muito presente em sua campanha eleitoral e ao longo do primeiro ano de mandato: o da confrontação. Os primeiros movimentos do Executivo foram de confrontar as ações dos governadores e manter a postura de minimizar a “gripezinha” e entendendo como “histeria” a reação ao vírus. Nesse meio tempo a situação na Itália degringolou, houve um agravamento seríssimo nos EUA, Espanha, França e Reino Unido passaram a sofrer severamente e algumas das inspirações de Bolsonaro passaram a mudar atitudes e medidas. Donald Trump, Boris Johnson e Benjamin Netanyahu passaram a reverberar frases de restrição do convívio social e a trabalhar em medidas econômicas para amenizar o efeito recessivo na atividade econômica. Por aqui alguma coisa precisava ser feita, e urgentemente. O Capitão precisava assumir o seu posto de timoneiro. E assim como as águas de março fecharam o verão, a segunda quinzena deste mês mostra nova postura – ainda hesitante e desajeitada – muito mais ativa e responsável do governo federal.


A primeira grande mudança foi a de reforçar a confiança nas instituições. O Ministério da Saúde e seu incrível corpo técnico assumiram a postura de liderança esperada e investida neles, a formação de um Comitê de Crise no âmbito federal reforça outros esforços para mitigar a crise de forma coordenada, o início da interlocução com os governos estaduais desbrava caminhos para um consenso. É hora de consenso. Consenso para o enfrentamento da crise de coronavírus agora, consenso para enfrentamento da crise econômica e institucional que possivelmente seguirão. Outras democracias que estão melhor respondendo a crise de saúde pública são exatamente aqueles que buscaram construir consenso interno, a saber, Alemanha, Coréia do Sul e Japão. Uma política de consenso permitirá aos governos federal e estaduais implementar boas políticas públicas que favorecerão a sustentação e crescimento econômico. Discordância, por outro lado, tende a fragmentar a já limitada e frágil estrutura de enfrentamento da crise.


O dinamismo dos acontecimentos neste momento é avassalador e exige muito cuidado e atenção ao analista. Na noite de domingo (22), o Executivo editou a Medida Provisória (MP) 927, primordialmente sobre regras trabalhistas. No início da tarde de segunda-feira (23), foram anunciadas mudanças na MP. No fim do dia 23, foi publicada nova MP, a 928, revogando um dos pontos mais polêmicos da MP927. Tudo em menos de 24h. Essa realidade dinâmica torna mister remetermos a um termo muito comum no contexto militar e de segurança: VUCA. Este acrônimo significa volatility (volatilidade), uncertainty (incerteza), complexity (complexidade) e ambiguity (ambiguidade). Na busca por elementos que auxiliem na construção de matrizes situacionais do ambiente político atual e que permita uma melhor compreensão dos processos políticos, o analista deve se valer do máximo de ferramentas possível. Assim sendo, alguns elementos e considerações sobre o momento complexo, volátil, ambíguo e incerto que vivenciamos:



Os tomadores de decisão são políticos. Políticos agem, entre outros, sob uma lógica de poder, influência e competividade política[1]. Suas ambições políticas pesam em suas decisões. A complexidade desta pandemia sem precedentes desafia toda e qualquer autoridade pública, desafia as próprias instituições do Estado. As rusgas entre o Executivo, Judiciário e Legislativo, que estavam à flor da pele na primeira quinzena de março, foram colocadas de lado na busca por consenso ao enfrentamento da crise. O ambiente interno e externo extremamente volátil desafiam o governo. A classe média brasileira que bateu panelas para tirar do poder a Presidente Dilma Rousseff, agora começa a fazer barulho contra Jair Bolsonaro. Fato novo e que pegou de surpresa o governo que ainda não achou o tom adequado para tentar reconquistar estes que sentem traídos pelo “Mito”. A guinada para políticas de ordem nacionalista e protecionista já observada nos EUA e alguns países da União Europeia tende a dificultar o comércio exterior, nos obrigando a olhar cada vez mais para a América do Sul e China. A ambiguidade do atual momento VUCA está clara em quase todas declarações e ações de governos, seja o federal, os estaduais e até mesmo os municipais: até onde podemos ir na resolução da crise de saúde pública e preservação da vida sem acabar com a economia nacional, estadual e local? Essa é, talvez, a principal incerteza atualmente e que obriga o Ministério da Economia a repensar políticas e pensamentos.


O que tirar de tudo isso, então? Bolsonaro precisa sair do isolacionismo que se colocou frente aos governadores e ser o principal construtor de um consenso nacional para o enfrentamento da crise de coronavírus no Brasil e da redução da atividade econômica no país. O governo federal começou mal o mês de março, recuperou espaço na segunda quinzena e precisa assumir de vez a liderança no alinhamento e coordenação das soluções. Os riscos, bem como os custos externos – a quem decisões afetam – e os custos decisionais – a quem decide – são variáveis presentes no processo decisório e que pressionam o Executivo. Saber lidar com riscos e custos frente aos diferentes desafios que se impõem definirão o apoio dos governadores e prefeitos, do apoio dos militares, do apoio do seu eleitorado e, acima de tudo, da sustentabilidade do seu mandato. Como já afirmado anteriormente, tudo o que foi feito até aqui pode ser jogado fora. O destino dos governos e governantes será julgado por aquilo que estão fazendo e farão em face à pandemia da COVID-19. Bolsonaro se enfraquece, o presidencialismo de coalisão se enfraquece, o pacto federativo fica em evidência e a COVID-19 se alastra no país.

[1] Robert Dahl em Análise Política Moderna, 1976. Max Weber em Economia e Sociedade, Esboço de Sociologia Compreensiva, 1922. n






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