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  • Rogério Schmitt

A DEMOCRACIA BRASILEIRA ESTÁ EM RISCO?


A vitória de Jair Bolsonaro na eleição presidencial de 2018 fez surgir um debate sobre os possíveis riscos dessa novidade política para a democracia brasileira. Após mais de um ano de governo, esse interessante debate ainda não acabou. Apenas em meados deste janeiro de 2020, cientistas políticos tão qualificados como Carlos Pereira, Cláudio Couto e Fernando Schuler publicaram excelentes artigos na imprensa sobre o tema (respectivamente, em O Estado de São Paulo, no Valor Econômico e na Folha de São Paulo).


Todos concordamos que o atual presidente é bastante diferente de seus antecessores, pelo menos desde Fernando Henrique Cardoso até Michel Temer. Essas diferenças incluem os seguintes fatos: a) o capitão não pertencer a nenhum dos partidos tradicionais da política brasileira, b) ele ser um crítico contumaz do presidencialismo de coalizão (identificado com a chamada “velha política”), c) o seu posicionamento à direita do espectro ideológico e, last but not least, d) o seu apoio declarado ao finado regime militar.


A combinação desses fatores produziu um justificado temor de que a qualidade da nossa democracia possa gradualmente se deteriorar, com o país se tornando mais autoritário. Na opinião pública, esse receio é particularmente forte entre simpatizantes dos antigos presidentes petistas, derrotados no segundo turno da última eleição presidencial. Eles também costumam enfatizar o discurso polarizador do presidente Bolsonaro, um feroz crítico da esquerda.


Por outro lado, também é muito persuasiva a narrativa de que os riscos à democracia oferecidos pelo governo Bolsonaro não são suficientes para nos fazer perder o sono. Nos formadores de opinião, essa visão é mais comum entre aqueles que apoiaram o impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff e a agenda reformista do governo Temer. A ênfase dessa abordagem é na eficácia dos mecanismos institucionais de controle ao exercício arbitrário do poder executivo. Mas, seja qual for a posição de cada um sobre o assunto, é vital que um debate dessa importância não esteja baseado somente em impressões subjetivas. É fácil nos deixarmos enfeitiçar por meras declarações polêmicas de quem está no poder, em vez de observar as políticas públicas efetivamente implementadas. Felizmente, a análise política dispõe de excelentes ferramentas empíricas para avaliar se a democracia brasileira está, de fato, correndo riscos.


Uma dessas ferramentas analíticas, referente ao ano de 2019 (o primeiro do governo Bolsonaro), está prestes a ser divulgada pela agência britânica Economist Intelligence Unit (EIU). É o seu respeitado Democracy Index (ou Índice de Democracia), um ranking anual da qualidade dos regimes políticos em cerca de 170 países. Na prática, cada país recebe uma nota (entre 0 e 10) numa escala de democracia, com base na avaliação de acadêmicos e especialistas. Regimes políticos com notas inferiores a 4 são classificados como autoritários. Aqueles com notas entre 4 e 6 são descritos como regimes híbridos. As democracias defeituosas são os países com notas entre 6 e 8. E as democracias plenas são os regimes com notas superiores a 8.


O desempenho brasileiro nesse indicador vem sendo extremamente regular ao longo dos anos. Em todas as edições do ranking, fomos classificados como uma democracia defeituosa. A nota brasileira sempre oscilou em torno de 7. O máximo que atingimos foi 7,38 em 2014, e o mínimo foi de 6,86 em 2017. No ranking referente a 2018 (ano da eleição presidencial), obtivemos a nota 6,97. Portanto, é como se estivéssemos numa posição equidistante tanto em relação às democracias plenas como em relação aos regimes híbridos. Uma situação relativamente confortável. Em termos comparativos, o Brasil sempre aparece próximo à 50ª posição do ranking. Não vamos para a Libertadores, mas também não corremos riscos de cair para a Série B.


A hipótese de riscos relevantes à democracia representados pelo atual governo só ganharia credibilidade caso seja registrada, em 2019, uma deterioração significativa do desempenho brasileiro no Índice de Democracia em relação ao observado no ano anterior. Na prática, teria que haver uma redução de pelo menos meio ponto na nota atribuída ao país – algo inédito nos quase quinze anos de existência da ferramenta. E, mesmo assim, essa trajetória de declínio ainda teria que ser mantida nas edições subsequentes.


Qualquer outro resultado referente ao Brasil no ranking da EIU confirmaria – ao menos provisoriamente – a tese da robustez de nossas instituições de controle democrático. Os resultados devem sair ainda neste mês de janeiro. Aguardemos....



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