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Rogério Schmitt

PORQUE PODEMOS TER ORGULHO DA DEMOCRACIA BRASILEIRA


A política brasileira sofre da síndrome do patinho feio. Achamos que não temos motivos para nos orgulhar de nossas instituições políticas. Nos acostumamos a pensar que os nossos principais problemas seriam de natureza política. Ou que a tal da ‘reforma política’ (seja lá o que isso signifique) seria a “mãe de todas as reformas”. Em suma: a política seria o pior do Brasil.


Pretendo aqui demonstrar o contrário. Sem ignorar o fato de que não vivemos no melhor dos mundos possíveis, defenderei a tese de que o melhor do Brasil é a política. Recorrendo a alguns dos mais renomados rankings comparativos internacionais, mostrarei que a qualidade relativa do nosso sistema político é superior ao desempenho brasileiro em outros indicadores (institucionais, econômicos ou sociais).


A consideração desses dados é especialmente relevantes para o momento que o Brasil atravessa. Infelizmente, diversos formadores de opinião, movimentos da sociedade civil e mesmo lideranças políticas parecem subestimar a importância do sistema democrático que construímos nas três últimas décadas. O discurso autoritário, de desprezo pela política e pela democracia, também é particularmente visível nas redes sociais.


Nessa conjuntura, portanto, nada é mais importante do que revalorizar a política, entendida no seu sentido clássico: a busca do bem comum através da construção de consensos. A radicalização, a polarização e o autoritarismo (de esquerda e de direita) são a negação da boa política. Assim, apresentarei evidências empíricas de que os nossos desafios econômicos, sociais e de corrupção são muito mais graves e mais urgentes do que os nossos problemas políticos.


Esse meu exercício de comparação se baseia em quatro indicadores internacionais. Para avaliar a qualidade do nosso sistema político, utilizarei o “Democracy Index”, da agência britânica Economist Intelligence Unit (EIU). O “Corruption Perceptions Index”, da agência alemã Transparência Internacional, será utilizado para avaliar a disseminação da corrupção. Para avaliar o nosso patamar de bem-estar social, recorrerei ao conhecido Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), elaborado pelo PNUD, um órgão da ONU. Finalmente, o nosso grau de liberdade econômica (ou a facilidade para os negócios privados) será avaliado através do igualmente famoso relatório “Doing Business”, do Banco Mundial.


A listagem abaixo mostra a atual posição relativa do Brasil nesses quatro rankings. Quase todos os dados se referem ao ano de 2018. Apenas o IDH ainda é o de 2017. Mas não haveria mudanças significativas se recorrêssemos a séries históricas mais antigas.


Democracy Index - 50º lugar entre 167 países

Índice de Desenvolvimento Humano - 79º lugar entre 189 países

Corruption Perceptions Index - 105º lugar entre 180 países

Doing Business - 109º lugar entre 190 países


Para surpresa geral, o indicador em que o Brasil possui o melhor desempenho comparativo é justamente aquele que mede os atributos democráticos do nosso sistema político. O fato de estarmos atrás de meia centena de países nesse quesito mostra que ainda temos muito o que avançar (somos uma "democracia falha", na linguagem da EIU). Mas é cristalina a constatação de que a política brasileira é avaliada muito mais positivamente do que todos os demais parâmetros. Também não se sustenta o argumento de que o número de países avaliados nesse indicador é menor do que nos demais, pois os países que ficaram de fora são em geral regimes autoritários para os quais não há sequer dados disponíveis.


O segundo melhor desempenho do Brasil é no ranking do IDH. O país se situa entre os que o PNUD classifica como sendo de "alto desenvolvimento humano" (o segundo melhor grupo possível). Mesmo assim, nesse quesito ainda estamos cerca de 30 posições abaixo de nossa posição no ranking relativo à qualidade do sistema político. Nos indicadores relativos à corrupção e à liberdade econômica, o desempenho brasileiro deixa realmente muito a desejar, pois aparecemos na metade de baixo da tabela em ambos os casos.


Podemos ver então que a política brasileira vai relativamente bem, obrigado – se a comparação for com os nossos patamares na economia, na corrupção ou no bem-estar social. Em outras palavras, a prioridade da classe política e dos gestores públicos não deveria ser a reforma da política, ainda que ela apresente problemas que são conhecidos por todos. Há obstáculos muito mais prioritários a serem superados na economia, na distribuição de renda e no combate à corrupção.


Portanto, na próxima vez em que nos depararmos com o discurso autoritário da rejeição da política, não custa nada perguntar ao nosso interlocutor se ele seria capaz de dizer qual é a área em que o Brasil se sai melhor nas pesquisas comparativas internacionais. E a resposta correta - à qual ele porventura aprenderá a dar valor - será: “é na política, estúpido!".



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