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  • Vera Galante

E O SOFT POWER, HEIN?


O Brasil é conhecido e respeitado internacionalmente por exercer seu soft power com eficiência, atingindo seus objetivos pela hábil negociação. Isto o tornou o país mais procurado para servir de mediador em conflitos mundiais, muitas vezes conseguindo evitar choques mais sérios, como golpes de estados ou mesmo guerras civis.


O estilo brasileiro de “conquistar mentes e corações” ficou muito explícito quando o Brasil comandou as forças internacionais de paz no Haiti, a MINUSTAH. Logo de início levou a seleção brasileira de futebol para um jogo amistoso naquele país tão sofrido por guerras civis, pobreza extrema, guerrilhas, instabilidade civil e tantas outras mazelas. Ao mesmo tempo que exercia – e ensinava – a força do poder brando, organizava as forças militares para responderem aos desafios que se apresentavam, participando de confrontos para manterem a paz. A missão militar no Haiti foi muito bem sucedida. Os militares no Haiti viram a necessidade de levar acadêmicos e outros profissionais civis para darem suporte às operações. Trabalhavam em coordenação muito afinada com os diplomatas brasileiros e de outros países em Porto Príncipe. Sucesso.


Uma década atrás a diplomacia brasileira abrigou o presidente hondurenho deposto, Manuel Zelaya, em sua Embaixada em Tegucigalpa. Hospedar alguém em uma embaixada é sempre um transtorno - elas não estão preparadas para isso -, ainda mais quando é uma pessoa tão visada pela imprensa. Muitos enviados de outros países, notadamente dos EUA, se encontravam com Zelaya na Embaixada do Brasil para negociarem uma solução para o impasse que se apresentava. Conseguiram.


Nas agências internacionais, especialmente na OMC, onde o Brasil constantemente é questionado sobre práticas comerciais internacionais, os processos quase sempre são decididos em favor do Brasil, em grande parte por causa das negociações conduzidas pelos competentes diplomatas dos quadros do Itamaraty, que corretamente encaram a carreira como sendo de Estado e não de Governo, conseguindo manter, desta forma, a coerência e a previsibilidade tão importantes na arena global.


O governo recém empossado no Brasil tenta aproximar e alinhar o Brasil aos Estados Unidos da América, na verdade ao Governo Trump, em tudo, mas principalmente em sua atuação internacional. Os Estados Unidos usam o soft power também, mas é o hard power – seu poderio bélico, econômico, político – que eles não hesitam em manifestar, que lhes confere, na maioria das negociações, a vitória. Hillary Clinton, quando Secretária de Estado durante o primeiro mandato do Presidente Obama, cunhou o termo Smart Power que seria, segundo ela, uma fusão entre soft e hard power. Pode ser, e certamente os Estados Unidos também nesta nova modalidade sairiam vitoriosos, mais pelas suas demonstrações de hard power do que pelo soft power. Smart power se tornou quase um sinônimo de “podemos conversar, mas nossas armas estão apontadas para vocês”.


Voltando ao Brasil, nossa diplomacia, como delineada pelo Chanceler Ernesto Araújo em seu discurso de posse, sempre atuou com medo, para agradar os outros. Textualmente: “Nós negociamos muitas vezes a partir de uma posição de fraqueza, como se estivéssemos implorando acesso a mercados, quando na verdade deveríamos negociar a partir de uma posição de força, como um dos maiores e potencialmente o maior produtor de alimentos do mundo, por exemplo.” A visão internacional do Brasil nunca foi essa, mas sim de um país que sabe o que quer e as armas que têm na mão – o poder da persuasão, porque os poder bélico, político e econômico são mínimos. Seria o poder brando uma fraqueza? Parece que sim, pelo olhar do Chanceler.


Verdade que somos um grandes, senão os maiores, produtores de alimentos do mundo. Nossas exportações agrícolas quase que sustentam o país, mas temos competição aguerrida de nossos concorrentes comerciais, especialmente dos EUA que têm basicamente a mesma pauta de exportações do que o Brasil. Eles também vendem produtos agrícolas e carnes e disputam os mesmos mercados que nós. Vemos que nosso alinhamento não pode acontecer por aí.


Há outros entraves entre Brasil e EUA, notadamente o aço. Os EUA importam nosso aço, mas eles o usam como matéria prima para produtos de maior valor agregado – portanto, mais caros no mercado internacional. Nós continuamos a apostar nossas fichas na produção do aço que os EUA querem – e isso não é necessariamente um erro, mas um exemplo de como nosso alinhamento internacional não pode ser tão automático assim. Há o etanol e a eterna rivalidade entre os dois países – nosso etanol pode ser produzido a partir de cana, de mandioca e de tantas outras matérias primas. O americano é produzido a partir do milho, o que causa uma competição de preço e processos na OMC (Organização Mundial de Comércio). Nós também costumamos ser processados na OMC por causa do algodão tantos outros produtos. Frequentemente ganhamos pelas razões acima, mas daqui para frente, como serão as negociações? Na base do quem pode mais, ou quem tem os melhores argumentos? Se contar quem pode mais, sofreremos várias derrotas, mas se o argumento for a melhor arma a ser usada, então continuaremos a vencer.


O Itamaraty é realmente um órgão com disciplina rígida, altamente hierárquico e que se beneficiaria de uma modernização. Mas esta deve ser mais uma reorganização interna do que no trato com os países com os quais temos relações diplomáticas. E as relações diplomáticas vão muito além do comércio, envolvem promoção de nossas artes, nossos valores, nossa cultura, nossa tecnologia... O Chanceler disse em sua posse: “Contaremos também com um setor de Promoção Comercial dentro do Itamaraty que multiplicaremos por quatro, vamos desburocratizar os setores de promoção comercial nas Embaixadas no Exterior, transformando-os em verdadeiros escritórios comerciais capazes de gerar negócios e ocupar novos mercados para os nossos produtores.”


O Itamaraty deveria se ater a negociar os acordos, o que faz muito bem, e deixar quem entende de comércio propor os termos do acordo. Mais integração com o setor produtivo brasileiro é louvável, mas isso não significa que as Embaixadas Brasileiras se tornem postos avançados dos diversos setores do comércio brasileiro no exterior. O Itamaraty representa o país como um todo e não determinados setores preferenciais.


O Brasil é muito mais do que comércio. Que bom.


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