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  • Rogério Schmitt

O AFEGANISTÃO E A NOSSA REFORMA POLÍTICA

Este começo de segundo semestre está sendo marcado por graves turbulências políticas e rupturas institucionais em três países pouco conhecidos pelos brasileiros. Do começo de julho para cá, o presidente do Haiti foi assassinado, o presidente da Tunísia deu um golpe de estado, e o grupo extremista Talibã assumiu o poder no Afeganistão.

Enquanto isso, no Brasil, no bojo das sucessivas “tretas” provocadas pelo presidente Bolsonaro, algumas lideranças políticas (como o deputado Arthur Lira, presidente da Câmara, e o ex-presidente Michel Temer) têm defendido a adoção do sistema semipresidencialista de governo.

Mas qual seria a relação entre uma coisa e outra? É o que pretendo demonstrar a seguir. Só peço que acompanhem o meu raciocínio. Começo fazendo uma breve recapitulação dos acontecimentos mencionados no primeiro parágrafo.

O assassinato a tiros do presidente haitiano, Jovenel Moïse, ocorreu na madrugada do dia 7 de julho, após homens armados terem invadido a residência presidencial. Um novo primeiro-ministro foi designado para conduzir um governo provisório no país caribenho até as eleições gerais previstas para novembro.

Em 25 de julho, o presidente da Tunísia, Kais Saied, apoiado pelas forças armadas, anunciou a destituição do primeiro-ministro e o fechamento do parlamento. O golpe de estado conferiu plenos poderes ao presidente, que está governando o país árabe por decreto. As medidas autoritárias são inicialmente válidas por 30 dias, e o futuro do regime é incerto.

Finalmente, no último domingo (15), o movimento islâmico radical Talibã assumiu o controle da capital do Afeganistão, após semanas de sucessivos avanços pelo país da Ásia Central. O presidente Ashraf Ghani abandonou rapidamente o território afegão. Ainda não se sabe se o novo governo irá manter em vigor a constituição, ou se haverá nova eleição presidencial.

Estes resumos dos acontecimentos políticos recentes no Haiti, na Tunísia e no Afeganistão oferecem algumas pistas importantes para que possamos entender a sua relação com o debate sobre o sistema de governo no Brasil.

Quais as características institucionais do sistema político que vigorava em cada país por ocasião das rupturas por que eles acabaram de passar? O Haiti adotava o semipresidencialismo, com os deputados eleitos pelo voto distrital. A Tunísia também adotava o semipresidencialismo, mas com os deputados eleitos pelo voto proporcional. Por sua vez, o presidencialismo vigorava no Afeganistão, com as eleições parlamentares ocorrendo sob as regras do sistema majoritário conhecido entre nós como “distritão”.

Algum sistema de governo ou sistema eleitoral foi capaz de impedir a ruptura do jogo político? A resposta, naturalmente, é não. Mas é fato que as regras institucionais, sejam elas quais forem, simplesmente não têm esse poder mágico.

Por isso, é desonesto o argumento de que um determinado sistema de governo ou um determinado sistema eleitoral garanta mais estabilidade política do que outro, independentemente de outros fatores.

Para começo de conversa, nem o Haiti e nem o Afeganistão podiam sequer ser considerados regimes políticos democráticos segundo o respeitado Democracy Index (elaborado pela agência Economist Intelligence Unit). Na edição 2020 do ranking, o Afeganistão (nota 2,85) era classificado como um regime autoritário, e o Haiti (nota 4,22) como um regime híbrido.

Já a Tunísia (nota 6,59) aparece como uma democracia defeituosa, num patamar apenas um pouco inferior ao que se encontra o Brasil (nota 6,92). Não por acaso, a Tunísia parece ser justamente o país onde as perspectivas de futuro são menos tenebrosas (na comparação com os outros dois).

Se, por exemplo, o semipresidencialismo deu certo na França e em Portugal, e errado na Tunísia e no Haiti, não é por causa de seus eventuais méritos e defeitos intrínsecos. Mas por causa da força da democracia, nos dois primeiros casos, e da sua fraqueza, nos dois segundos casos.

O mesmo princípio também se aplica ao presidencialismo, ao parlamentarismo, ao voto distrital e ao voto proporcional. Nenhum deles é inerentemente melhor ou pior do que o outro.

O debate sobre a reforma política no Brasil não pode se tornar um debate estético, com cada lado atribuindo ao seu sistema político preferido propriedades sobrenaturais que nenhum deles possui. O mais importante é que haja democracia!



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