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TRAGÉDIAS

Renato de Oliveira

O assassinato, à vista de todos, de um homem negro nas dependências de um supermercado Carrefour por indivíduos contratados para a segurança do estabelecimento, causa indignação e repulsa em todos os que acreditam na dignidade intrínseca da pessoa humana, sem o que a vida civilizada não é possível. Valor moral, aliás, que ganhou sua forma moderna justamente no país de onde a empresa é originária.


A reação do Carrefour foi a de praxe. Não sendo a primeira vez que ocorrem fatos desta natureza em suas lojas, a divulgação de “notas de pesar” já é quase uma rotina que, a julgar pelos casos precedentes, não mudará sua rotina funcional de desprezo pelos direitos de funcionários e clientes.


Mas há outro fato que se esconde sob a tragédia e não pode ser desconsiderado na explicação do ocorrido: um dos envolvidos no crime é um “Policial Militar Temporário”! Como assim?!


A figura do “Policial Militar Temporário” foi instituída por uma lei estadual em 2003 que o STF julgou inconstitucional em agosto deste ano. Através dela, sucessivos governos estaduais procuraram fazer frente ao agravamento da violência no estado através de um subterfúgio que lhes permitisse conter outro agravamento, para eles muito mais importante do que a segurança da população: o agravamento da situação financeira do estado! “Policiais Militares Temporários” eram contratados através de processo seletivo simplificado, recebendo, após treinamento, no máximo 80% do soldo dos policiais de carreira, ficando vinculados ao Regime Geral da Previdência, portanto aliviando o caixa da previdência pública estadual. Em uma palavra, não eram funcionários públicos. Mesmo depois de o STF declarar a lei inconstitucional, o atual governo estadual tergiversa e resiste em abolir esta figura, pois isto implicaria aumento do efetivo regular da Brigada Militar.


É conhecido um fenômeno que acontece hoje no país: os baixos salários das corporações policiais estaduais leva muitos dos seus integrantes, principalmente das polícias militares, a arredondarem seus vencimentos com “bicos” em segurança privada, sob as vistas grossas dos governantes, que, cinicamente, viam nisto era uma forma de diminuir a pressão por aumentos salariais. O que era um subterfúgio acabou se tornando, em muitos casos, uma quase norma, o que ajuda a explicar o “despreparo” de muitos agentes policiais – na verdade submetidos a stress extremo pelo desempenho de múltiplas atividades de segurança – bem como as intrincadas e obscuras relações entre policiais e ex-policiais, empresas de segurança privada (como a contratada do Carrefour) e grupos milicianos que se generalizam pelo país.


Ora, a lei que criou o Policial Militar Provisório tornou o “bico” uma situação funcional em sentido preciso: o próprio exercício da função policial passou a ser um “bico” a mais exercido por indivíduos que, recebendo algum treinamento, dele acabam se beneficiando para toda sorte de atividades de “segurança privada”, nas quais os protocolos de exercício da violência e as hierarquias funcionais facilmente se transformam em regras para inglês ver.


Foi sob o peso dessas duas tragédias que chegamos ao estacionamento do Carrefour na noite do dia 19 de novembro: o racismo e a deterioração das estruturas públicas que deveriam nos proteger da barbárie.









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