CRISES E A DEMOCRACIA
Há tempos nos deparamos com uma crise atrás da outra. Desde o impedimento da ex-presidente Dilma Rousseff a dona crise não deu trégua. Temer terminou o segundo mandato da presidente com reformas importantes, mas com o escândalo da JBS (quem não se lembra do “tem que manter isso”?) que provocou um pedido de impeachment do então presidente. A bola bateu na trave. A JBS administrou a crise razoavelmente bem – a empresa foi salva, se reinventou, mas seus diretores/donos continuaram enrolados com a lei.
Logo depois eleições presidenciais e Bolsonaro leva uma facada em um comício. O governo e os outros concorrentes foram solidários, mas a campanha continuou e Bolsonaro venceu o PT no segundo turno – legitimamente, com as urnas eletrônicas. Tomou posse sem incidentes e começou a governar com uma equipe que já causou polêmica logo de início – militares e radicais ideológicos demais, os conselheiros do presidente seriam, no mínimo, pouco convencionais: os filhos e mais alguns militares de confiança. A posse do Ministro das Relações Exteriores abriu a crise na diplomacia e a certeza de que o governo seguiria uma linha ideológica sui generis. Teve a crise da APEX, que ninguém sabia que existia até então, e outras tantas. Não cabe aqui fazer um histórico das crises pelas quais o governo Bolsonaro passou até chegarmos à pandemia do novo Coronavirus, a COVID-19, logo no início de 2020.
Esse não foi um problema gerado pelo Brasil, mas o vírus não conhece fronteiras e logo chegou. Crise se gerencia e nisso o governo demonstrou completa falta de sintonia entre o que queria e achava o presidente e o que a ciência, o então ministro da saúde, Henrique Mandetta, a OMS e outros líderes mundiais ditavam. As diferenças eram expostas ao público que, felizmente, creu na ciência e hoje temos boa parte da população já completamente vacinada. Foram 3 mudanças de ministro da saúde até chegar ao atual. O General bateu continência para o Capitão, mas mesmo assim não se segurou. Enquanto isso a população sofria – principalmente os pobres. O governo propôs uma ajuda emergencial e a Câmara dos Deputados aumentou o valor, o que foi providencial.
Enquanto isso... as vacinas – o presidente era contra, recusou ofertas, mas São Paulo produziu as primeiras doses da Coronavac em parceria com a China. O governo comprou, cancelou a compra e depois acabou comprando as vacinas. As providências sanitárias tomadas pelos estados para tentar conter o contágio pelo vírus foi ameaçada pelo executivo e, como de costume, foi judicializada. O Supremo Tribunal Federal decidiu pela autonomia dos estados e municípios na administração do problema segundo as necessidades locais. O sistema federalista ficou mais definido, desta forma.
7 de setembro chegou e o presidente, exaltado, pregou a desobediência ao STF, mas voltou atrás. Assim mesmo o mal estar gerado persistiu.
Somando-se à crise sanitária que ainda persiste, apesar de estar arrefecendo, veio a crise financeira. Inflação sobe, dólar sobe, bolsa cai, juros sobem. E o presidente anuncia o novo Auxílio Brasil que substituiu o antigo Bolsa Família. O ex Posto Ipiranga ficou sem seus auxiliares mais próximos, mas o auxílio de R$400,00 passou. E ainda tem o auxílio para os caminhoneiros, também decidido em R$400,00.
Estou certa que deixei muita coisa de fora, mas meu ponto é mostrar que apesar de uma crise atrás da outra, a democracia segue vencendo todas as crises. Desde o impeachment de Dilma Rousseff, tudo foi feito obedecendo os ritos legais. Pode-se não gostar do resultado, mas não se pode dizer que houve golpe (palavra que ficou corriqueira tanto à direita quanto à esquerda) em nenhum momento.
O Congresso Nacional teve iniciativas importantes, como no caso do auxílio à população mais carente durante a pandemia, o judiciário, especialmente o STF, atuou segundo o seu entendimento da Constituição Federal, e até a imprensa teve a liberdade de publicar o que quisesse mesmo hostilizada pelo presidente. Até as plataformas digitais têm liberdade de suspender a conta do presidente e de retirar conteúdos compartilhados por ele que firam suas regras. O Senado instalou a CPI da Pandemia (por ordem do STF), e teve liberdade de investigação. O presidente não foi poupado no relatório final. Alguns dizem que foi uma CPI política. Claro que foi – senadores a compunham. Agora é com o Ministério Público, Polícia Federal e o judiciário levar adiante o que foi apurado pela comissão.
Em resumo, a democracia está aí, apesar de atacada e vilipendiada. A qualidade da democracia brasileira é precária, mas ela se mostra resiliente. Ela sofre ameaças constantes, mas temos mecanismos que garantem sua manutenção.
Estamos em plena pré-campanha dos candidatos à presidência da república – vemos movimentações dos partidos, dos candidatos em potencial, prévias dentro de alguns partidos, fusões de partidos... tudo isso faz parte do jogo democrático. A democracia não é só ter eleições livres – ela é um somatório de fatores e estamos passando nos testes, não com as melhores notas, mas passamos.
Viva a democracia!
Comments