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  • Rogério Schmitt

AFINAL, O QUE É O CENTRÃO?


Não é possível falar do atual cenário político brasileiro sem mencionar o centrão. Trata-se, muito provavelmente, da mais importante bancada suprapartidária no Congresso. O bloco surgiu originalmente durante os trabalhos da Assembleia Constituinte. Mas o termo foi caindo em desuso nas legislaturas subsequentes.


O centrão foi recriado em 2014, sob a liderança do ex-deputado Eduardo Cunha. O bloco foi decisivo na eleição do próprio Cunha para a presidência da Câmara, na aprovação do impeachment de Dilma e na sustentação política do governo Temer. Mais recentemente, o presidente Bolsonaro também tem procurado o apoio de partidos integrantes do centrão.


Mas falar do centrão não é tão fácil como parece. A primeira dificuldade é que o termo é usado de forma muito imprecisa. Quase sempre o centrão é descrito como um “bloco informal” de partidos, então sequer existe uma enumeração consensual sobre as legendas que efetivamente integrariam o bloco.


A segunda dificuldade é o preconceito ideológico. Os partidos do centrão são quase sempre apresentados como clientelistas e fisiológicos. E os parlamentares que integram o bloco são pejorativamente descritos como membros do chamado baixo clero. Em suma, o centrão seria a “velha política”, por sua vez identificada com a corrupção.

Vamos lidar separadamente com essas duas dimensões.


Hoje há 24 partidos representados na Câmara dos Deputados, dos quais 16 também estão representados no Senado Federal. Quais dessas legendas fariam então parte do centrão? Sugiro a seguir um agrupamento desses partidos em cinco blocos, utilizando a tradicional clivagem esquerda-direita.


No campo da esquerda, é possível falar de um bloco mais ideológico (que inclui a extrema esquerda), mas também de um bloco mais moderado. Teríamos assim uma esquerda integrada pelo PT, pelo PSOL e pelo PCdoB. A marca desse bloco de esquerda é o apoio irrestrito ao ex-presidente Lula.


O bloco da centro-esquerda é integrado pelo PSB, pelo PDT, pelo Cidadania (o antigo PPS), pelo PV e pela Rede. Trata-se de um campo mais identificado com a liderança do presidenciável Ciro Gomes. Apesar de mais próximos do centro político, esses partidos claramente não integram o centrão.


Examinemos agora o campo da direita (que inclui a extrema direita), cujo lema unificador é a forte identidade com governo Bolsonaro e com suas políticas. É deste campo que provavelmente sairá a maioria dos membros do partido que o bolsonarismo está tentando criar. Aqui podemos incluir o PSL (sigla pela qual Bolsonaro foi eleito), o Republicanos (que passou a abrigar dois dos três filhos do presidente), o Patriota (do inesquecível Cabo Daciolo), o PSC (do governador Witzel, do RJ) e o Novo (por sua radical rejeição da “velha política”).


Assim, por exclusão, sobram outros 11 partidos políticos que potencialmente são integrantes do centrão. O bloco inclui siglas partidárias que teríamos que classificar, então, como de centro ou de centro-direita. Essa lista é composta pelo PP, pelo PL, pelo PSD, pelo MDB, pelo DEM, pelo PSDB, pelo Solidariedade, pelo Podemos, pelo PROS, pelo PTB e pelo Avante.


Acontece que, na prática, esse grupo de partidos de centro e de centro-direita não está registrado como um bloco parlamentar unificado em nenhuma das casas do Congresso Nacional. No Senado, essas legendas ou não fazem parte de bloco algum ou estão dispersas em blocos menores (que, com uma única exceção, também incluem partidos de outros campos ideológicos).


É somente na Câmara, liderado pelo deputado Arthur Lira (PP-AL), que encontramos um bloco parlamentar oficial que inclui a grande maioria dos partidos de centro e de centro-direita. Apenas o PSDB e o Podemos não integram formalmente esse bloco. Ainda que as direções de algumas dessas legendas declarem haver uma diferença entre o bloco e o centrão, não conheço uma estimativa melhor do que essa.


Portanto, podemos definir preliminarmente o centrão como uma coalizão de 9 siglas partidárias (PL, PP, PSD, MDB, DEM, Solidariedade, PROS, PTB e Avante), de centro e de centro-direita, que atua na Câmara (mas não no Senado). Naturalmente, trata-se de uma bancada suprapartidária muito heterogênea, a qual não agirá de forma monolítica em muitas situações. O centrão ocupa uma posição intermediária no espectro ideológico, cujos polos são ocupados pela direita bolsonarista e pela esquerda lulista.

Mas o centrão é, na verdade, somente um subconjunto de uma categoria mais ampla (essa sim, bem difusa) que poderíamos chamar de “partidos de centro”. Nesse conjunto maior, estão tanto outras legendas de centro e centro-direita (PSDB e Podemos) como também, se formos coerentes, o campo dos partidos de centro-esquerda (PSB, PDT, Cidadania, PV e Rede).


Resta agora lidar com a segunda dimensão apontada anteriormente: o alegado caráter clientelista e fisiológico deste grupo de partidos. Como já ressaltei, trata-se de um duplo preconceito analítico, o qual se aplica não só ao centrão, mas aos partidos de centro em geral.


O primeiro preconceito é associar mecanicamente a busca dos partidos políticos por espaços de influência nos governos à prática de corrupção e de outras ilegalidades. Partidos existem justamente para ocupar cargos governamentais (ministérios e secretarias, por exemplo) e para influenciar políticas públicas (através da execução orçamentária). Esta é a própria natureza da atividade política. Afirmar o contrário é criminalizar a política. Muitas vezes, o problema é a falta de transparência. A oposição não é entre a “velha política” e a “nova política”. Mas sim entre a “boa política” e a “má política”.


O segundo preconceito é o de que partidos de centro não são ideológicos. Este atributo seria exclusivo dos partidos de esquerda ou de direita. Curiosamente, os que reclamam do pragmatismo dos partidos de centro são os mesmos que reclamam da corrente polarização ideológica entre direita e esquerda.


Todos os partidos, independentemente da sua posição no espectro esquerda-direita, são ideológicos. E os partidos de centro não são exceção. A ideologia do centro é a democracia. São eles, pertençam ou não ao centrão, que trazem para o sistema político qualidades como a moderação, a busca do consenso, a governabilidade, a previsibilidade institucional, a construção de maiorias e o equilíbrio político.


No Brasil, o centrão é um arranjo político historicamente provisório. Pode continuar existindo ou desaparecer. Mas os partidos de centro (sejam eles de centro-direita, de centro-esquerda ou de “centro-centro”) estão aí para ficar.


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