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  • Vera Galante

AS CRISES E A DEMOCRACIA NO BRASIL




Nesse período de isolamento social - necessário, diga-se de passagem - a vida de todos nós mudou. Muitos trabalham de casa – ouço minha vizinha fazendo reuniões virtuais, conversando ao telefone e vejo sua luz acesa até altas horas. É funcionária pública e sua produtividade talvez tenha dado um salto. Outros têm menos sorte e perderam seus empregos, ou tiveram seus salários reduzidos. Cada um tem uma história para contar. Isso já é lugar comum – nos adaptamos à nova rotina, e a vida segue. Só que não sem sobressaltos.


A Covid-19 se impôs à nossa já frágil economia. Aliás, se impôs não só ao Brasil, mas ao mundo. Conseguiu parar o transporte global – aviões em terra e navios nos portos, caminhões com dificuldade de trânsito... mercadorias (algumas essenciais) que não chegam ao destino. Os sistemas de saúde estão tão doentes, ou até mais, do que os contaminados pelo vírus. O vírus é um vírus, que se criou sozinho assim como todos os outros vírus (ou alguém acha que a catapora, por exemplo, foi criada em algum laboratório?).


No meio deste cenário desolador, temos uma fábrica de crises que funciona a todo vapor no Brasil. Quando este artigo for publicado, temo que já estará defasado, mas sigamos.


Desde a posse do Presidente Jair Bolsonaro assistimos a várias crises – umas maiores, outras menores, mas todas amplamente divulgadas por ele mesmo, e não pela imprensa que ele tanto execra. Seu desdém pela imprensa séria o levou a parar todos os dias em frente à residência oficial para saudar os fiéis seguidores e de lá ditar a pauta da imprensa naquele dia. E nisso ele tem sucesso. Suas falas, a maioria no mínimo chocantes, têm o poder de pautar a imprensa e tomar conta do humor da população e também de despertar reações do judiciário e do legislativo.


Por caminhos tortos, o Presidente domina a narrativa. Hoje, 29/4, quarta-feira, portanto 3 dias úteis após a ruidosa demissão do então ministro da justiça Sérgio Moro, vivemos muitas crises, algumas precipitadas por ele mesmo. O ex-juiz e ex-ministro saiu fazendo graves acusações ao chefe. No mesmo dia Bolsonaro prometeu rebater as acusações e convocou todo o seu ministério, mais o Presidente do Banco Central, e os Deputados Hélio Negão (ou Bolsonaro), Eduardo Bolsonaro e Carla Zambelli para essencialmente confirmar tudo o que o ex-ministro havia dito. Clássico tiro no pé.


O final de semana não foi tranquilo – o Presidente se reuniu com vários ministros e aliados para definir os substitutos para o Ministério da Justiça e para a Polícia Federal. Já estava decidido a entregar a Justiça ao seu amigo Jorge Oliveira, da Secretaria de Governo, e a PF a Alexandre Ramagem que comia pão com leite condensado com ele em sua casa – amigo do peito. Com muito custo, foi demovido de nomear Jorge Oliveira (que já é ministro, portanto não perdeu a proximidade com Bolsonaro) para a Justiça e nomear André Mendonça, também próximo dele, em seu lugar. A nomeação mais polêmica, porém, seria a de Alexandre Ramagem para a PF, que é uma instituição de Estado, polícia judiciária, portanto não sujeita a vontades políticas.


O Presidente confirmou uma das acusações de Moro ao dizer, antes mesmo da confirmação da nomeação de Ramagem, que a investigação sobre a facada que levou será reaberta. No momento que escrevo a posse de Ramagem está suspensa por uma liminar concedida pelo Ministro Alexandre de Morais do STF, atendendo a uma provocação do PDT. Lembrando que “à mulher de César não basta ser honesta, deve parecer honesta”. A nomeação de Ramagem não é ilegal, mas sua proximidade com a família e a já explícita submissão aos desejos do presidente de reabrir uma investigação já encerrada e transitada em julgado não é um bom presságio.


Durantes estes dias (entre 24/4 e 29/4) o Brasil bateu duas vezes seus próprios recordes de mortes pelo Covid-19. Citando só o último, ontem, 28, foram anunciadas 474 mortes oficiais, totalizando 5.017 mortes desde 25 de fevereiro. Sabemos todos que estes números não são reais porque a subnotificação no Brasil é enorme. E daí?


O Presidente se exime de toda a responsabilidade jogando a “culpa” para os governadores. A “culpa” é compartilhada, nesse caso. A sentença do STF não delegou aos estados toda a responsabilidade sobre o isolamento social, só proibiu o executivo de interferir em determinações dos estados. Nas paradas do Presidente à entrada do Alvorada onde jornalistas são forçados a se plantarem para cumprirem o seu já árduo ofício de informar, Bolsonaro joga para a plateia distorcendo os acontecimentos de acordo com o que lhe interessa. E a turma que está lá aceita, a imprensa expõe e é acusada de fake, etc. Mas há imagens. E daí?


Enquanto tudo isso acontece, no Ministério da Economia, outra crise. O Ministro da Casa Civil, General (da ativa) Braga Netto reúne um grupo e lança um programa de aceleração do crescimento e o lança sem a presença do Posto Ipiranga. Paulo Guedes ameaça sair com toda a sua equipe, e o Presidente é forçado a recuar. Mas por quanto tempo? As especulações quanto à saída de Guedes seguem fortes e causam muita preocupação. A saída de Moro refletiu fortemente na Bolsa de Valores e na cotação do dólar. A de Guedes... nem dá para especular.


Durante este curto espaço de tempo o Brasil ficou de fora de uma importante ação da OMS, o Ministro das Relações Exteriores despertou o furor da comunidade judaica mundial por uma comparação no mínimo infeliz em um artigo estapafúrdio publicado em seu blog pessoal.


Não podemos nos queixar de monotonia em nosso isolamento social – temos notícias fresquinhas durante todo o dia para digerir.


Diante da multiplicação das crises, muitos temem pela democracia e a palavra “golpe” continua fazendo parte do imaginário popular. É verdade que há claro viés autoritário do Presidente Bolsonaro, mas os freios e contrapesos têm funcionado para neutralizar seus arroubos. O Congresso Nacional tem assumido papel de protagonismo durante este período, aprovando leis importantes, inclusive para o combate à pandemia. O Judiciário tem agido, sempre que provocado, para defender as leis que regem todos os brasileiros, inclusive o Presidente. Ele é lembrado inclusive por muitos do seu entorno, que não está acima das leis, apesar de já ter dito que ele é a Constituição. Podemos discutir a qualidade da democracia, a qualidade das leis que temos, mas elas existem e estão resistindo aos testes.


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