DA CRISE AO CAOS
Sexta-feira, 1o de junho de 2018. O Brasil amanhece de ressaca do feriado do dia anterior passado em casa ou em locais onde se pudesse ir à pé porque não havia combustíveis nos postos, pensando que tudo voltaria ao normal em breve. Mas “normal” não existe por essas bandas há tempos.
A Semana anterior começara com a greve de caminhoneiros pedindo redução do preço do diesel, isenção de pedágio para caminhões com eixo suspenso (vazio), e mais uma porção de coisas. O governo reagiu como sabe – chamou os super-heróis da vez: as forças armadas. As FFAA se tornaram a solução para todos os problemas – problema de segurança? O Exército toma conta. Problemas de abastecimento, greve de caminhoneiros? Chama as Forças Armadas para fazerem a escolta de caminhões transportando QAV para os principais aeroportos. Fazia tempo que não sabíamos quem era o Comandante do Exército Brasileiro e o Comandante Geral das Forças Armadas, o Secretário de Segurança Institucional. Agora sabemos. O Ministro da Segurança Pública (ex Defesa) é o mais poderoso ministro do Executivo (costumava ser o Ministro da Fazenda). O Ministério da Defesa está nas mãos de um general da reserva pela primeira vez. O Gabinete de Crise da Presidência é comandada por militares, com ausências gritantes do Ministro da Justiça e do Presidente Temer, segundo ele próprio iluminado por Deus – lembram-se dos pastores mexendo em seus celulares enquanto ele discursava?
Mas dessa vez não houve jeito – os caminhoneiros não cederam e o exército passou a fazer escolta de caminhões que entregavam combustíveis para aeroporto e alguns postos de gasolina nas principais cidades. O gás de cozinha sumiu. O preço do que se achava disparou. Nós, mais maduros, nos lembramos imediatamente de tempos em que isso era comum e nos apavoramos.
O Governo não conseguiu o que queria pela força, ajoelhou. Concederam tudo – TUDO – o que os caminhoneiros pediram, principalmente a redução do preço do diesel em R$0,46 na bomba. Só que não estamos mais na época de controle de preços (será que não?)! A Petrobrás, depois de protagonizar o maior escândalo de corrupção do Brasil e um dos maiores do mundo, passou a ser gerida com seriedade como uma empresa privada e passou a dar lucro ao invés de prejuízo. Pedro Parente foi chamado para sanear a empresa e, não fosse o seu chefe puxar-lhe o tapete, quase conseguiu. Uma das exigências de Parente quando assumiu foi que não houvesse interferência política na gestão da empresa. O Governo prometeu. Mas...
O Governo, qualquer que seja ele, gosta de fazer bonito com o chapéu alheio – desculpem, com o bolso alheio. Promete mundos e fundos, parece ser bonzinho, mas quem paga a conta sempre é o contribuinte, que paga pelo que não quer e pelo que não é importante para o seu bem-estar. Mas o governo não falou que não iria aumentar impostos? Então o contribuinte está livre. Seria tão bom se fosse verdade... Para não subir impostos (!), o governo cortou onde estava “sobrando”- na saúde, na segurança e na educação. Garante assim que o Brasil continue a não ser competitivo por absoluta falta de formação adequada para inserção internacional, e a população mais pobre tem menos acesso ainda ao parco sistema de saúde brasileiro e à segurança pública, já precaríssima, se torna inexistente. Talvez seja a volta à seleção natural. De qualquer forma, todos perdem – até os caminhoneiros!
Apesar de terem conseguido o que queriam, garantiram aos seus descendentes um Brasil mais pobre, que não pode cumprir seu dever constitucional – oferecer educação, segurança e saúde para todos. O dever constitucional do Governo não é o de oferecer combustível a preços módicos, e é isso que está fazendo. Após a saída de Parente numa sexta-feira no meio do pregão da bolsa aumentando ainda mais o caos da semana, Ivan Monteiro foi colocado em seu lugar interinamente (mas Temer já solicitou sua efetivação). O Conselho escolheu e o Presidente confirmou Monteiro reiterando a promessa que fizera a Parente: o governo não interferiria na política de preços de derivados de petróleo. Hoje os jornais dão conta que o Governo estuda usar as reservas do pré-sal para garantir estabilidade dos preços. Isso é não interferir?
Os caminhoneiros ainda não conseguiram uma das suas reivindicações – a volta dos militares ao poder. Mas quanto tempo isso vai demorar? Tomara que não cheguemos a esse dia. Porque eles querem os militares? Porque são mais organizados e previsíveis do que os civis que aí estão? Sem dúvidas, mas o pacote é indigesto. Será que eles têm noção de como é “resolvida” uma greve na ditadura militar? Será que eles pensam que teriam seu movimento sendo veiculado na imprensa todos os dias sem censura prévia? Será que pensam que existe ditadura benigna? Será que sabem o que significa ser “preso político”? Será que têm consciência que a intervenção militar significa a perda de todas as liberdades (por exemplo grupos de WhatsApp não existiriam, pois seriam considerados conspirações subversivas)?
Depois dos caminhoneiros, os petroleiros ameaçaram uma greve que durou menos que 24 horas. A reivindicação? A saída de Pedro Parente. Esses mesmos petroleiros nunca fizeram uma greve contra a corrupção e o assalto à empresa que, segundo eles, tanto amam. Agora que tinham um homem disposto a fazer as modificações necessárias, queriam sua saída? Pois ele saiu por conta própria, no meio do processo de fritura.
Saiu porquê não tinha mais o respaldo da Presidência da República, porquê seus subordinados tiveram o aval do Presidente para se rebelarem. Fez o que qualquer CEO ciente da sua situação faria: se demitiu. Sua carta se encerra assim “Sempre procurei demonstrar, em minha trajetória na vida pública que, acima de tudo, meu compromisso é com o bem público. Não tenho qualquer apego a cargos ou posições e não serei um empecilho para que essas alternativas [subvenção ao consumidor de diesel] sejam discutidas.” Dr. Parente, a subvenção na verdade nunca foi discutida – foi imposta.
O que resta para Temer e sua equipe? Não muito – vemos um governo débil e totalmente inerte frente às várias crises que se apresentam e a sensação da população é de caos total. Temer tomou posse prometendo reformas indigestas e perdeu quase todas – a reforma da Previdência e Política (a que conseguiu é chamada generosamente de minirreforma política). Só nos resta torcer para que estes que aí estão aguentem até o final do ano, pois outra crise é demais para o pobre e sofrido povo brasileiro.