DEMOCRACIA E ORDEM LIBERAL MUNDIAL EM XEQUE: PARA O BEM OU PARA MAL, UMA OPORTUNIDADE!
A democracia está em crise. Assim brada o relatório Freedom in the World 2018, da Freedom House, recentemente publicado. Os direitos políticos e liberdades civis foram reduzidos em setenta e um países, mais do que o dobro do número de países que registraram avanços democráticos[i]. Turquia, Mianmar e até os Estados Unidos apresentam retrocessos ao passo que flertam com algum grau de autoritarismo. America First, é evidência. Hungria, Suécia e Itália terão eleições gerais em 2018, atenção, pois são três países que permearão o debate na Europa e onde a direita populista ganha força. Nos últimos dias a Chatham House publicou um compreensivo relatório indicando que alguns dos tradicionais ideários que unem os dois lados do Atlântico começam a deixar de ser invioláveis[ii]. Os ‘valores democráticos’ estão na lista. O desalinhamento nas relações transatlânticas é percebido, por exemplo, quando analisadas as posições no Tratado de Paris, no reconhecimento de Jerusalém como capital de Israel pelos Estados Unidos ou a relevância da OTAN.
Associadamente, a ordem liberal mundial está doente. Esse é o diagnóstico de Martin Wolf, comentarista chefe de economia do Financial Times[iii]. Os sintomas são evidentes: falta tolerância, sobra egoísmo. O bastião dos ideais liberais pós-guerra tropeça e através de seu novo líder, Donald Trump, apresenta claros sinais da crença em uma ordem Hobbesiana, onde o mundo deve ser visto como um jogo de soma zero. Ainda em 2016, o Livro Branco do Fórum Econômico Mundial alertava que a ordem liberal mundial “está sendo ameaçada por diversas forças, que incluem poderosos governos autoritários e movimentos fundamentalistas antiliberais”[iv]. No Reino Unido, Brexit. Na Polônia, há a tentativa de construção de uma comunidade nacionalista xenofóbica. A União Europeia ameaçou duramente a Polônia, mas parece ainda não ter surtido efeito. Isso porque a intrinsicamente democrática União Europeia precisa da unanimidade dos seus membros para imposição de sanções, e a Hungria se une à Polônia nesse claro movimento iliberal.
É plausível admitir que as duas questões abordadas acima perpassam por uma crise de legitimidade e propósito social[v]. Estabilidade política permite desenvolvimento, em especial econômico. Após alguns difíceis anos, a economia global se recupera e o Banco Mundial prevê crescimento de até 3.1% em 2018[vi]. Crescimento às custas de quem e de quê? Nos Estados Unidos, a defesa do liberalismo global deu lugar ao discurso contra o livre-comércio e a imigração. Na zona do euro, o projeto de integração sofre pressões por questões tais quais terrorismo, imigração e previdência. Foi no momento de incertezas pós-2008 que discursos alternativos ganharam forma e hoje ecoam por todos os cantos do globo.
No Brasil, ordem mundial liberal é assunto para tecnocratas e acadêmicos. Não é assunto que elege, tampouco impulsiona manifestações nas ruas do país. Aqui a crise de legitimidade se dá por motivos éticos e morais. O brasileiro não sabe se há democracia no Brasil, é o que aponta pesquisa da Fundação Getúlio Vargas. Enquanto cerca de 25% dos entrevistados não opinaram ou declararam neutralidade, 42% discorda de que no Brasil há uma democracia[vii]. Complementarmente, para 56,8% dos entrevistados, o Estado deve interferir diretamente na economia. Leia-se, a democracia está em crise no atual cenário político nacional e internacional, os ideários liberais internacionais estão em crise, alternativas nacionalistas ganham força em diversas regiões e há um vácuo de representatividade a ser explorado no Brasil, aproveitando a recuperação cíclica da economia. Em síntese: arrancam na frente populistas que apresentem projeto de coesão política interna sem descuidar do fragmentado sistema internacional. Por sinal, o tema do encontro anual do Fórum Econômico Mundial -2018, realizado em Davos é: criando um futuro compartilhado em um mundo fraturado. Esse será o tema do próximo artigo do autor no blog.
[i] Abramowitz, Michael J. (2018) Freedom in the World 2018 Report – Democracy in crisis. Washington: Freedom House.
[ii] Wickett, Xenia (2018) Transatlantic Relations Converging or Diverging? Londres: Chatham House.
[iii] Wofl, Martin (2018) Financial Times, ‘Davos 2018: The liberal international order is sick’. Disponível em: https://www.ft.com/content/c45acec8-fd35-11e7-9b32-d7d59aace167
[iv] World Economic Forum (2016) Strengthening the Liberal World Order: a World Economic Forum White Paper. Genebra: World Economic Forum.
[v] Sobre a crise da ordem liberal mundial, ver Ikenberry, John (2018) ‘The end of liberal international order?’, International Affairs, 94 (7-23).
[vi] Banco Mundial (2018) Global Economic Prospects: Broad-Based Upturn, but for How Long?. Washington: International Bank for Reconstruction and Development / The World Bank.
[vii] Fundação Getúlio Vargas (2017) O Dilema do Brasileiro: entre a descrença no presente e a esperança no future. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas